domingo, 5 de maio de 2013

Queda

Quando se cai lentamente, há, na lentidão, tempo para ensaio. Na queda lenta ainda opera um certo senso de dignidade - que, às vezes, tende vertiginosamente para a teatralidade e para o gesto calculado. O olhar daquele que cai percorre a paisagem e observa quem o observa. E, no perceber do olhar certo, se estende o palco para a sua próxima cena.
Quando a queda é rápida, já não há mais tempo. A perda do senso do ridículo frutifica sobre a dignidade em pedaços. Na face, as caretas espontâneas se formam em espasmos, as rugas, a boca aberta sem cuidado, o movimento randômico dos olhos, a cabeça sem descanso. As palavras saem, por vezes, mais sinceras que diplomáticas - pois que, enfim, perde-se o senso de diplomacia.
A ação desesperada e sem tempo de maturação dispara balas aleatórias, as quais estarão para o acaso decidir se acertarão algo que poderia ter sido um alvo.

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