sexta-feira, 26 de abril de 2013

Asfalto molhado

A chuva atravessou a rua surda e lançou o seu olhar úmido sobre os prédios. A luz por trás dela era estridente e amarela e perseguia as aves que fugiam. Espanta-me a chuva por ser assim, como que incompreensivelmente leve e aleatória, a mim por trás do vidro da janela. Me sussurra em segredo, mas todos ouvem seu sussurro e as palavras se despedaçam nos bueiros encharcados. E eu mudo, ali. Por trás. Como que parecendo incompreensivelmente leve e aleatório.

A luz atravessa a rua e chega até mim como a um vizinho que pediu açúcar ontem, no outro lado da casa, por sobre o muro mal-feito. E eu choro como criança ao sentir a aproximação não da luz que se aproxima, mas das sombras que ela no seu caminho mágico vai criando. O meu nariz escorre a água da chuva como bueiros invertidos e a minha boca sabe a lembrança da água marinha - bem na ponta da língua.

A lua dobrou a esquina, escapando impossivelmente da chuva - e na lama da noite, as estrelas desmaiadas no asfalto rogam para que a água não seque. O teu olhar é uma daquelas estrelas e eu saber que tu és isto é a minha melancolia maior das melancolias que por aí já tive.

O poste se se acende, enganado pelas nuvens que anunciaram uma noite precoce. Mas é noite mesmo e a chuva se vai no horizonte como uma noiva que sobe ao altar mas fugindo dele - com o olhar do noivo em ocaso...

A chuva se foi -  espalhando, por onde já não está, úmidas lembranças - e a última escorre em meu rosto, lágrima doce. O asfalto bruma...

Foge, danado! Que a lembrança de uma estrela que evapora seja a lembrança mais doce que por aí já tive...


Quando

Não daqui a cinco segundos.
Não daqui a duas horas.
Não hoje à noite.
Não amanhã.
Não no final de semana.
Não no mês que entra.
Não daqui a um ano.
Nem no próximo século.

Não há um segundo atrás.
Não há dois minutos...
Não ontem, nem anteontem nem semana passada.
Não no mês passado e nem no ano passado.
Não na fotografia
E nem no DVD
E nem no facebook...Ou no celular.

Agora.
Somente agora.
Agora.

Fora do agora sou mera expectativa ou lembrança.


Existo somente agora.
Existo somente agora.
Existo somente agora.
Existo somente agora.

Silêncio

O silêncio só nos devora quando temos algo a dizer.
O silêncio devorador tem sempre algo a dizer que não por meio do próprio silêncio.
Está sempre cheio de palavras,
ruídos,
sons,
cor,
intenção,
ação,
gesto.

O silêncio devorador não é silêncio,
mas angústia sem sons,
   boca fechada,
      mãos atadas,
         bomba-relógio.

Eu busco um silêncio que é tão silencioso que pode até conter sons.
Que é tão expressivo que dispensa palavras.
Que é tão sólido que age mais do que a ação.
Que é puro e mudo gesto.


O teu silêncio são nuvens cinzas de chuva que buscam o meu solo para chover
E o meu solo seco se abre para a tua chuva.
Mas o que brotará dessa água
Se nada tiver sido semeado?

O meu silêncio é um solo seco em busca de chuva.
Tudo brotará quando a água vir.

O meu silêncio é a caatinga depois da chuva
E o cheiro de mato que sobe e se espalha com o vento.
Os animais vêm e se sentam em minhas poças.
As plantas ficam verdes,
As jaçanãs ficam fartas.
O ar, úmido.

E eu faço as pazes com o sol.

Esquina

O cheiro me parou,
Como de costume...
Mas, desta vez, olhei o jasmineiro nos olhos
E chorei.

Na esquina,
O cheiro de jasmim era um choro...

Pseudo Blues

Acordei hoje cantando essa música...
"O certo é incerto
O incerto é uma estrada reta
De vez em quando acerto,
Depois tropeço no meio da linha" (Marina Lima)

O certo é incerto...
O incerto é certo...
Tropeço sempre e caio no meio da estrada reta.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Um

Meu coração apertado
Por não estar cheio...

E a voz que me falta sem faltar as palavras.

O silêncio dos barulhos da rua,
Os berros de ninguém,
O olhar que me atravessa...

Só o perfume do jasmineiro na esquina me surpreende -
E com a força de um beijo me arrebata.
Por que eu sempre me esqueço
               que ele está ali...]

Lua



Na varanda,
Uma bola no azul
Entre os retângulos dos prédios...

No alto do fim da rua,
Sobre os carros.

Não sei se é cheia
E nem me importa.

Lenta, lenda, linda..

terça-feira, 23 de abril de 2013

Aqui

Aqui,
Na varanda.
A tarde cai e eu acompanho sua                  queda...]

Pastor Feliciano (e por trás)

Esse pastor tem dado muito a falar nos meios de comunicação de massa e nas redes sociais. A grande mídia se põe em consenso sobre esse assunto e todos parecem agora firmemente decididos em defender os direitos humanos: a Folha de São Paulo, a Globo, a Veja, o O Povo, o Diário do Nordeste etc. E meus amigos, e todos os setores chamados progressistas,  não param de reproduzir aquilo que se reproduz nessas mídias nas redes sociais. Na aparência, a grande maioria da sociedade brasileira encontrou finalmente o seu consenso.

Mas uma coisa me preocupa bastante. O problema não é o pastor Feliciano e as coisas que ele diz. Ele tem muita coragem para dizer aquilo que diz e ir contra o mainstream da opinião pública e da grande imprensa. E isso não precisa ser um elogio a ele e às coisas que ele defende. O maior problema é de onde vem essa coragem.  Aquelas pessoas, que são milhões e, mesmo sendo milhões, se sentem constrangidas em dar sua própria opinião no facebook ou na imprensa...E se contentam em se expressar apenas para o seu próprio público interno e para as comunidades de que fazem parte.

Com os governos de esquerda que sucederam a era de direita do sr. FHC, o Brasil aprovou muitas coisas que são consideradas de vanguarda no mundo contemporãneo: leis em defesa das mulheres, dos negros/afrodescendentes, dos gays/lésbicas/trans/etc etal.

Mas eu me pergunto se com essas leis o debate cultural com aqueles que pensam fora vencido e se esse debate precisa, necessariamente, ter vencedores.  E chamo a atenção para a questão da homofobia (apesar de o debate sobre aborto ser também nteressante nesse sentido).

Existe uma sensação de que um estamos em um momento de crescimento do conservadorismo. Essa fase ascendente de conservadorismo também tem penetrado o meio gay/lésbico pelo lado de um fortalecimento das idéias de casamento. A conversa agora não é apenas, como o movimento homossexual de esquerda apregoava, de estender os direitos de propriedade aos relacionamentos homoafetivos. Trata-se do "direito" ao casamento e não só isso, o "direito" ao sacramento do matrimônio. Ou seja, o "direito" de casar na igreja. Por que coloco a palavra direito entre aspas. Por que em se tratando de cultura e religião, principalmente religião (que é um dos focos desse artigo), a noção de direito parece-me mais limitada. Pois pode o Congresso Nacional legislar em matéria de fé e decidir que Deus, seja lá o que isso seja, e as religiões devem ser tolerantes e acolher os fiéis como eles são etc e tal.

Tenho a convicção de que Deus tem os preconceitos daqueles o criaram, pois ele é a imagem e semelhança dos seus crentes.

Tenho a convicção de que todos podem ter a religião que melhor lhes aprouver, com o Deus, os sacramentos, doutrinas adequados a ela.

Tenho a convicção de que o debate cultural não será vencido, mesmo que uma lei faça parecer que há um vencedor. E que portanto temos que nos acostumar com a diversidade.

A lei não serve para mudar essa realidade mesmo que a mude parcialmente. A lei serve para que que não nos matemos por causa dessas diferenças. Pois, não será a chacota e o humor pesado e generalizante um forma de violência contra aqueles que pensam diferente?

Todo e qualquer um tem o direito inalienável de dizer que eu vou para o inferno quando eu morrer. Todo e qualquer um tem direito a dizer que não sou filho de Deus, que satanás é o meu mestre, que vivo uma vida de pecado e luxúria e tudo e qualquer coisa que frutifique de sua mentalidade religiosa. Toda igreja tem o direito de dizer que não pode celebrar o meu casamento com outro homem por isso ser contra a lei de Deus.

Os heterossexuais têm todo o direito a terem orgulho de si mesmos, de promover beijaços heteros, abraços heteros, e têm direito à heteroafetividade e a criar seus filhos da maneira que o amor a eles os conduza. Deus, se ele existir, me livre de uma mundo que troque a hegemonia total do comportamento heterrosssexual (seja lá o que isso seja) pelo do comportamento GLBTTXYZ (seja lá o que isso seja).

Eu não me importo em absoluto com isso. Contanto que eu não possa matar por causa disso e nem possa ser morto pelo mesmo motivo.

Quem quiser casar na igreja, que faça como os americanos fizeram: criem suas sinagogas gay, igrejas presbiterianas gays, batistas gays, igrejas unitária etc - e resolvam isso consigo mesmos. Mas não queiram forçar o Deus de ninguém a ser tolerante. Devemos convencer as pessoas a serem tolerantes, não Deus, que, talvez, virá por acréscimo.


Parece-me que, no fundo desse movimento contra o sr. Feliciano, existe uma espécie de cruzada cripto-católica contra os evangélicos. E é uma pena, pois o crescimento do fundamentalismo não é um fenômeno ligado exclusivamente à ascensão das igrejas evangélicas - é um fenômeno que acontece internamente na igreja católica e que teve como fruto principal o sr. Bento XVI. E o modo como essa cruzada esta sendo amplificada pela esquerda e pelos setores progressistas não ajuda a dialogar com os evangélicos e nem a ajuda a percebê-los em sua diversidade e sua dinâmica. Na verdade, empurra-os a uma posição defensiva que coloca igrejas de posições opostas como aliadas contra essa cruzada.

A coragem do pastor Feliciano vem daqueles setores apavorados com a dissolução dos valores tradiconais. Mas também de um pavor com a desordem geral de valores. Por que uma das facetas da nossa crise de civilização é que parece que ninguém mais pode ter valores morais, ninguém mais pode ter uma visão do que é certo e do que errado, ninguém mais pode ter um limite de conduta e que ninguém mais pode nem sequer falar sobre isso.

Por que é isso que o capitalismo precisa, para quebrar toda e qualquer amarra à sua sanha de produção e reprodução de mercadoria até que não reste mais nenhuma mínima faceta da vida humana que não seja vendável ou comprável. E nisso, eu sinto o mesmo medo.  
Os jovens da esquerda fazem pilhérias daqueles que fizeram opção de não beber álcool, daqueles que se comprometem a ter sexo somente depóis do casamento, daqueles que optaram por não usar drogas. Mas eu me pergunto se a alternativa que esses jovens ditos revolucionários  apresentam é realmente uma alternativa á crise civilizatória ou é ela mesma um sintoma dessa crise. A alegria que vejo na face desses jovens é uma alegria histriônica, permanente, uma alegria bêbada e hiperexcitada que não me aparece como o frescor da utopia da emancipação, mas com a aura cadáverica do mundo da mercadoria na sua aparência mais beco-sem-saída - e que na verdade esconde uma grande frustração com a vida.

Mas, é claro, Feliciano não é uma resposta que eu considere. Nem o sr. Bento XVI. Nem muito menos a Veja, a Globo ou a Folha de São Paulo...

A esquerda se recusa a dialogar ou a patrocinar o diálogo...Preferem demonizar os pastores e reforçar (mesmo que indiretamente) a cruzada catolicizante e a guerra entre as religiões. Ninguém precisa concordar com ninguém. A única concordância deve ser em relação aos direitos civis, a verdadeira cruzada é contra aqueles que incitam mesmo a violência e se o pastor Feliciano faz isso vamos tratá-lo como um criminoso, e no espírito dos direitos humanos dados aos criminosos. E não como um demônio, origem de todos os males. Ele que diga o que quiser na igreja dele e que nos mande a todos para o inferno, pois é isso que as religiões fazem com "os outros" que estão fora do âmbito da sua própria fé mesquinha. O Deus dele pode ser o quiser. Não quero legislar nesse domínio, senão vamos abrir uma temporada de caça às bruxas que nos parecerá "legítima" - mas que mais adiante se voltará contra nós mesmos.


segunda-feira, 22 de abril de 2013

Deus

"Quem é ateu e viu milagres como eu..."
(Caetano Veloso)


Não é que eu não acredite em Deus. Eu acredito em tudo. A saudosa Lyálorixá Mãe Menininha do Gantois costumava dizer algo que gravei imediatamente: "Acima de Deus, nada. Abaixo de Deus, tudo". Durante muito anos essa frase foi um koan objeto de minhas meditações. E eu que já tinha tido tanto preconceito contra o candomblé e as religiões africanas! Uma frase de Mestre, de mestre com M maiúsculo.

E, mais do que isso, uma frase muito zen. E a chave para isso está na palavra "tudo". Tudo, inclusive Deus. Uma frase circular quando vista por este ângulo. Ou Deus seria algo de tão absolutamente absoluto que seria fora de todo tudo. E nesse caso, seria uma frase circular do mesmo jeito. Um tal Deus estaria absolutamente fora de nosso alcance. Do alcance de nosso pensamento, inclusive de nossa fé.

Uma outra coisa interessante me disseram outro dia também sobre Deus. Que Deus é luz, mas você não deve olhar diretamente para ele - pois luz demais, cega. É luz para se olhar em volta. E, outra vez, as sombras aparecem. Pois tudo o que há em volta só pode ser visto por um jogo de luz e sombras. Quando se olha diretamente para Deus, nessa metáfora, ele se transforma em Lúcifer, a própria figura da sombra que carrega luz no seu nome.
Deus não é fácil. mas também não precisa ser difícil. É fácil usar Deus como motivação máxima não só dos nossos desejos mesquinhos de oprimir e matar os outros em nome da (nossa) religião. É facil usá-lo também para justificar nossa capacidade de amar e acolher os outros.

Eu, do meu lado, não gosto muito de usá-lo. Prefiro deixá-lo livre e justificar minhas ações com minha humanidade e com tudo o que carrega alguém que tem como origem, casa e abrigo o planeta terra e tem como pai, mãe, irmãos, tios, avós e primos, toda a vida orgânica e inorgânica desse planeta.

Hoje em dia, convido todos os Deuses à minha casa. Não tento ver a face oculta de cada um deles - senão não seriam o que são, mistérios. Tento conversar com eles deixando-os cobertos com os véus que lhes são próprios e a minha casa se enche de névoa e, ao mesmo tempo, da luz que dizem carregar. Luz que causa sombras, pois só há sombras quando há luz! Por isso é bom quando chegam de dois ou mais, pois com mais luz em diferentes espaços, as sombras recuam.

Recuam, mas não desaparecem. Pois se as sombras desaparecerem, terá sentido ainda falar em luz?

domingo, 21 de abril de 2013

O Outsider Zen

Estou em todos os lugares provisoriamente.
Na verdade, isto é que não estou em mais lugar nenhum...
Estou atrás quando penso que estou à frente,
Estou de lado, no meu ponto cego.
De lado, no seu ponto cego também...
No espelho, sou como um vampiro,
Vejo tudo e todos, mas não vejo a mim...Só quando me pinto!
No espelho só vejo o personagem, não a mim.
Só vejo a tinta...
A tinta sou eu para mim
E eu sou eu, aparentemente, para você - aquele que não me vê pelo espelho,
                                                               mas na vida real.]
Sou assim.
Estou assim.
No vento...No sonho...Na fantasia...
Provisório.