terça-feira, 9 de setembro de 2014

Minha porta

A louca passou pela minha porta
E deixou seus maus pressentimentos fictícios.
Ao vê-la partir, lentamente,
(como algo que não se sabe ao certo se se aproxima ou se afasta)
Submergi por um segundo nessa dúvida mesma:
Se aproxima ou se afasta?

O louco passou pela louca,
Mas não como um louco... Como um não-louco...
E deixou seus pressentimento verdadeiros:
O dia de amanhã que ele adivinhava.
O nascer do sol de amanhã
E as luas das próximas noites,
E, junto, as estrelas que estarão nelas, visíveis ou encobertas.
Os pássaros que hão de cantar
E as formigas que irão comê-los quando morrerem.
As folhas verdes do porvir
E a amarelidão que fatalmente se seguirá...
A beleza da lua em mim
(enquanto ela não desponta lenta no horizonte diante de mim)...
Os ciclos,
As eras,
As heras...

A minha porta...Sempre vizinha dos loucos,
dos não-loucos,
dos que não se sabem loucos,
dos que não se sabem
                           não-loucos...]

sábado, 19 de julho de 2014

Primeira vez em Quixeramobim

Apressado...
Pena que foi apressado.
Mal a brisa do Aracati chegou,
Ele se foi.
Encurralado pelo sol quente da tarde,
Sem muito tempo...
Foi uma brisa,
Foi-se como uma brisa,
Foi-se com a brisa...

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Violeta, 100 anos...



Pediram-me para escrever algo sobre minha mãe, que hoje faria 100 anos. No mesmo dia do pedido eu como que senti todas as emoções que senti no dia em que soube de sua morte, morando em outro país e sem ter tido condições de vir ao enterro...É muito estranho quando alguém próximo morre e não temos condições de dizer o adeus pessoalmente e participar das cerimônias com as quais nos despedimos dos entes queridos. E com ela não foi diferente. Ainda hoje, quando vou ao sítio, tenho sempre a impressão de que vou encontrá-la numa cadeira de balanço no alpendre, fazendo algum tapete de crochê com tiras de pano ou plástico e de que ela vai sorrir e se surpreender com a minha visita, que vai me achar magro e dizer que não sou bem tratado na casa da minha outra mãe...

Violeta foi minha mãe. Simplesmente. Sem adjetivos, sem complementos. Dizer que foi minha mãe de criação é o mesmo que dizer que ela não foi mãe...

Lembro-me de ser pequeno e não conseguir abraçá-la por ela ser gorda e arredondada, lembro-me dela sentada com paciência arrancando meus piolhos e lêndeas com o pente fino, lembro de seus cabelos branquinhos e de seus óculos com lentes bifocais, de suas galochas que ela usava pra ir na igreja ou quando ia visitar a “mãezinha”, das histórias que ela contava no alpendre sobre sua vida sofrida de mulher casada e como o meu pai (Fenelon) não a tratava muito bem e das viagens dele ao Quixadá e lembro-me dela, muito tempo depois, ao lado dele – rindo e feliz como se estivessem em plena lua-de-mel! Lembro-me de achar engraçado que só eu a chamasse de mãe, enquanto o Marquinhos, a Marcinha e a Andréia (que tinham a minha mesma idade) a chamavam de vovó.

Lembro de estar deitado na rede enquanto ela me balançava pra eu dormir...Mas na verdade eu gostava quando ela cantava alto músicas antigas pra me ninar. Penso que talvez aí tenha surgido o meu gosto por música...Além do fato de nunca ter me acostumado a dormir de cama...

Lembro que eu me sentava curioso debaixo da máquina de costura pra ver seus pés pedalando, pés já engilhados, mas ainda firmes. Ficava observando maravilhado ela fazer aqueles bordados richilieu pra vender e ganhar algum dinheiro, fazer flores em vários tons de cores e outros desenhos que ela guardava em uma pilha de papel transparente. O sítio sempre me lembrava uma casa de costura, com carretéis de linha de todas as cores e bastidores de todos os tamanhos pendurados nos armadores de rede. E mesmo bordando, ela ainda ficava atenta ao que eu estava fazendo e mandava dona Elisa cuidar pra eu não fizesse “um” arte.

Lembro-me de ficar em cima da mesa enquanto ela fazia bolo, bolinhos e salgadinhos pra vender, das forminhas metálicas em forma de peixinhos, flores, elefantes, triângulos, quadrados...E dos restos de chocolate nas vasilhas que ela me dava pra lamber...Do arroz com aletria, da torta de abacaxi...Tantas lembranças de comidas e cheiros e sabores!

Lembro que já adulto, ela me mostrava um calçãozinho vermelho que eu costumava usar quando era bem novinho e uns brinquedos da minha infância, me dizendo, brincando, que eu era na verdade seu filho e que minha outra mãe era a que era “falsa”...

Todas as minhas lembranças de infância, as minhas lembranças mais distantes eu as tenho do sítio, na Granja Itamaracá, ao lado dela. Lá era o meu sítio do pica-pau amarelo, meu paraíso à beira da barraginha que não existe mais. Meu refúgio, minha noite estrelada na varanda, esperando a brisa do Aracati pra esfriar meu corpo...E ainda é.

Como posso agradecê-la? Como teria podido agradecê-la? Não sei. Agradeço visitando os irmãos que ganhei com ela, Getúlio, Violetinha e Gláucia. Agradeço vindo aqui em Quixeramobim, pensando nela de vez em quando e lembrando, às vezes até sonhando com ela como se ela viesse me visitar pra ver como eu estava. Quando estou em Quixeramobim é ela que eu vejo em todos os lugares, como se caminhasse perto de mim com seu chapéu-de-sol, vestidos bordados, sapatilha baixa com continhas coloridas, com cheiro de talco e phebo patchouli...

domingo, 15 de junho de 2014

Grande amor

Já tive o meu grande amor
Já vi o grande romance,
Já experimentei o "para sempre",
Já experimentei mergulhar no outro e me encontrar lá...

Agora, não há mais grande amor,
nem romance,
nem "pra sempre", nem "até amanhã",
 e todos os mergulhos são em poças rasas...

O meu amor é o encontrar fugidio
com os ex grandes amores dos outros
e encontrar neles luzes fracas,
calores mornos,
intimidades nulas...
Restos de abraços,
ecos de beijos,
fantasias despedaçadas
e um prazer cronometricamente rápido...

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Cidade grande

Quanto mais moro em Fortaleza,
mais descubro em mim
o homem de Quixeramobim...

Quanto mais fico à beira da praia
mais saudade sinto da caatinga...

Quanto mais sinto o cheiro do asfalto
mais feliz fico com a brisa do Aracati pela noite...

Quanto mais vejo a luz da cidade refletida no céu noturno,
mais admiro a noite escura...E as estrelas nela.

Só se pode admirar estrelas
mergulhados nas trevas..


Solidão

A minha solidão
liberta meus demônios,
E o meu tédio os alimenta com fartura...

O meu pensar em ti
os afasta,
e o teu afastar-se de mim,
os traz pra perto...

Não é só da lua, pois,
a luz que ilumina meus demônios interiores,
Mas o sol
com seu disfarce de luz,
que os abriga nas suas trevas escamoetadas...

E o vento espalha seus ruídos
só aos outros inaudíveis...

Liberdade

Costumam dizer
que a nossa liberdade
vai do outro ao infinito...
Eu prefiro dizer
que a minha liberdade
vai do outro em mim
ao eu no outro.
E daí salta ao infinito...


quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Amores, de novo

Tua história se refugiou nas minhas rugas
Marcada que foi por meus olhos perscrutadores
A memória de ti passa-me pelo estômago
E minhas raivas de ti, pelos meus cabelos brancos

Minhas mãos, embora lavadas, ainda guardam algo daquela noite
E o teu perfume não saiu de mim
Tua saliva não se misturou à minha
E o teu gosto às vezes salga e às vezes adoça a minha língua

A noite caiu sobre mim como um martelo sobre o prego
Passarinhos em lembranças de pôr-do-sol inventadas
Ruído de carro real como as marteladas,
Teto de vidro, sono leve, pesadelos sombrios.

domingo, 5 de janeiro de 2014

A Menina da Chuva

A Menina da Chuva caiu nas minhas mãos feito chuva de caju, como água fria no meio da tarde em Quixeramobim. Cai como chuva não apenas por ter chuva no nome, mas por ser chuva mesmo pra quem tem sede. Palavras úmidas de chuva, de lágrima e de lembrança, na sombra do Serrote do Boqueirão.
Bruno Paulino, com seu livro, salpica de sal as trivialidades do Quixeramobim e de seu mundo próprio e vai temperando suas experiências de moço com as palavras que são pensamentos seus profundos de uma vida ainda curta mas já muito refletida - mesmo que com palavras simples, à moda de Cora Coralina.
E me traduz à sua maneira. A menina da chuva sou eu, um menino da chuva de uma terra sem muita chuva. Sou eu quem pega aquele retrato. Sou eu quem caminha nas ruas da cidade antiga com medo de passar no beco da Maria Helena doida.
Amizades.
Pensamentos.
Cabelos brancos.
Começos de amores.
Saudades.

Crônicas que sei que cada vez que são lidas serão novas de novo, como as boas crônicas. Tornei-me Bruno e gostei.
Bruno anda ainda mal acostumado com a sua juventude. Seu corpo juvenil perscruta o mundo com um olhar meio sexagenário - mal dos inteligentes! E daí suas crônicas com gosto de memória, com uma pitada de melancolia - memórias velhas precoces, apertadas em um baú pequeno de anos (mas carregado por um sorriso bonito de menino).

A Menina da Chuva
Autor: Bruno Paulino
Premius Editora
2013