terça-feira, 23 de abril de 2013

Pastor Feliciano (e por trás)

Esse pastor tem dado muito a falar nos meios de comunicação de massa e nas redes sociais. A grande mídia se põe em consenso sobre esse assunto e todos parecem agora firmemente decididos em defender os direitos humanos: a Folha de São Paulo, a Globo, a Veja, o O Povo, o Diário do Nordeste etc. E meus amigos, e todos os setores chamados progressistas,  não param de reproduzir aquilo que se reproduz nessas mídias nas redes sociais. Na aparência, a grande maioria da sociedade brasileira encontrou finalmente o seu consenso.

Mas uma coisa me preocupa bastante. O problema não é o pastor Feliciano e as coisas que ele diz. Ele tem muita coragem para dizer aquilo que diz e ir contra o mainstream da opinião pública e da grande imprensa. E isso não precisa ser um elogio a ele e às coisas que ele defende. O maior problema é de onde vem essa coragem.  Aquelas pessoas, que são milhões e, mesmo sendo milhões, se sentem constrangidas em dar sua própria opinião no facebook ou na imprensa...E se contentam em se expressar apenas para o seu próprio público interno e para as comunidades de que fazem parte.

Com os governos de esquerda que sucederam a era de direita do sr. FHC, o Brasil aprovou muitas coisas que são consideradas de vanguarda no mundo contemporãneo: leis em defesa das mulheres, dos negros/afrodescendentes, dos gays/lésbicas/trans/etc etal.

Mas eu me pergunto se com essas leis o debate cultural com aqueles que pensam fora vencido e se esse debate precisa, necessariamente, ter vencedores.  E chamo a atenção para a questão da homofobia (apesar de o debate sobre aborto ser também nteressante nesse sentido).

Existe uma sensação de que um estamos em um momento de crescimento do conservadorismo. Essa fase ascendente de conservadorismo também tem penetrado o meio gay/lésbico pelo lado de um fortalecimento das idéias de casamento. A conversa agora não é apenas, como o movimento homossexual de esquerda apregoava, de estender os direitos de propriedade aos relacionamentos homoafetivos. Trata-se do "direito" ao casamento e não só isso, o "direito" ao sacramento do matrimônio. Ou seja, o "direito" de casar na igreja. Por que coloco a palavra direito entre aspas. Por que em se tratando de cultura e religião, principalmente religião (que é um dos focos desse artigo), a noção de direito parece-me mais limitada. Pois pode o Congresso Nacional legislar em matéria de fé e decidir que Deus, seja lá o que isso seja, e as religiões devem ser tolerantes e acolher os fiéis como eles são etc e tal.

Tenho a convicção de que Deus tem os preconceitos daqueles o criaram, pois ele é a imagem e semelhança dos seus crentes.

Tenho a convicção de que todos podem ter a religião que melhor lhes aprouver, com o Deus, os sacramentos, doutrinas adequados a ela.

Tenho a convicção de que o debate cultural não será vencido, mesmo que uma lei faça parecer que há um vencedor. E que portanto temos que nos acostumar com a diversidade.

A lei não serve para mudar essa realidade mesmo que a mude parcialmente. A lei serve para que que não nos matemos por causa dessas diferenças. Pois, não será a chacota e o humor pesado e generalizante um forma de violência contra aqueles que pensam diferente?

Todo e qualquer um tem o direito inalienável de dizer que eu vou para o inferno quando eu morrer. Todo e qualquer um tem direito a dizer que não sou filho de Deus, que satanás é o meu mestre, que vivo uma vida de pecado e luxúria e tudo e qualquer coisa que frutifique de sua mentalidade religiosa. Toda igreja tem o direito de dizer que não pode celebrar o meu casamento com outro homem por isso ser contra a lei de Deus.

Os heterossexuais têm todo o direito a terem orgulho de si mesmos, de promover beijaços heteros, abraços heteros, e têm direito à heteroafetividade e a criar seus filhos da maneira que o amor a eles os conduza. Deus, se ele existir, me livre de uma mundo que troque a hegemonia total do comportamento heterrosssexual (seja lá o que isso seja) pelo do comportamento GLBTTXYZ (seja lá o que isso seja).

Eu não me importo em absoluto com isso. Contanto que eu não possa matar por causa disso e nem possa ser morto pelo mesmo motivo.

Quem quiser casar na igreja, que faça como os americanos fizeram: criem suas sinagogas gay, igrejas presbiterianas gays, batistas gays, igrejas unitária etc - e resolvam isso consigo mesmos. Mas não queiram forçar o Deus de ninguém a ser tolerante. Devemos convencer as pessoas a serem tolerantes, não Deus, que, talvez, virá por acréscimo.


Parece-me que, no fundo desse movimento contra o sr. Feliciano, existe uma espécie de cruzada cripto-católica contra os evangélicos. E é uma pena, pois o crescimento do fundamentalismo não é um fenômeno ligado exclusivamente à ascensão das igrejas evangélicas - é um fenômeno que acontece internamente na igreja católica e que teve como fruto principal o sr. Bento XVI. E o modo como essa cruzada esta sendo amplificada pela esquerda e pelos setores progressistas não ajuda a dialogar com os evangélicos e nem a ajuda a percebê-los em sua diversidade e sua dinâmica. Na verdade, empurra-os a uma posição defensiva que coloca igrejas de posições opostas como aliadas contra essa cruzada.

A coragem do pastor Feliciano vem daqueles setores apavorados com a dissolução dos valores tradiconais. Mas também de um pavor com a desordem geral de valores. Por que uma das facetas da nossa crise de civilização é que parece que ninguém mais pode ter valores morais, ninguém mais pode ter uma visão do que é certo e do que errado, ninguém mais pode ter um limite de conduta e que ninguém mais pode nem sequer falar sobre isso.

Por que é isso que o capitalismo precisa, para quebrar toda e qualquer amarra à sua sanha de produção e reprodução de mercadoria até que não reste mais nenhuma mínima faceta da vida humana que não seja vendável ou comprável. E nisso, eu sinto o mesmo medo.  
Os jovens da esquerda fazem pilhérias daqueles que fizeram opção de não beber álcool, daqueles que se comprometem a ter sexo somente depóis do casamento, daqueles que optaram por não usar drogas. Mas eu me pergunto se a alternativa que esses jovens ditos revolucionários  apresentam é realmente uma alternativa á crise civilizatória ou é ela mesma um sintoma dessa crise. A alegria que vejo na face desses jovens é uma alegria histriônica, permanente, uma alegria bêbada e hiperexcitada que não me aparece como o frescor da utopia da emancipação, mas com a aura cadáverica do mundo da mercadoria na sua aparência mais beco-sem-saída - e que na verdade esconde uma grande frustração com a vida.

Mas, é claro, Feliciano não é uma resposta que eu considere. Nem o sr. Bento XVI. Nem muito menos a Veja, a Globo ou a Folha de São Paulo...

A esquerda se recusa a dialogar ou a patrocinar o diálogo...Preferem demonizar os pastores e reforçar (mesmo que indiretamente) a cruzada catolicizante e a guerra entre as religiões. Ninguém precisa concordar com ninguém. A única concordância deve ser em relação aos direitos civis, a verdadeira cruzada é contra aqueles que incitam mesmo a violência e se o pastor Feliciano faz isso vamos tratá-lo como um criminoso, e no espírito dos direitos humanos dados aos criminosos. E não como um demônio, origem de todos os males. Ele que diga o que quiser na igreja dele e que nos mande a todos para o inferno, pois é isso que as religiões fazem com "os outros" que estão fora do âmbito da sua própria fé mesquinha. O Deus dele pode ser o quiser. Não quero legislar nesse domínio, senão vamos abrir uma temporada de caça às bruxas que nos parecerá "legítima" - mas que mais adiante se voltará contra nós mesmos.


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