quinta-feira, 17 de julho de 2014

Violeta, 100 anos...



Pediram-me para escrever algo sobre minha mãe, que hoje faria 100 anos. No mesmo dia do pedido eu como que senti todas as emoções que senti no dia em que soube de sua morte, morando em outro país e sem ter tido condições de vir ao enterro...É muito estranho quando alguém próximo morre e não temos condições de dizer o adeus pessoalmente e participar das cerimônias com as quais nos despedimos dos entes queridos. E com ela não foi diferente. Ainda hoje, quando vou ao sítio, tenho sempre a impressão de que vou encontrá-la numa cadeira de balanço no alpendre, fazendo algum tapete de crochê com tiras de pano ou plástico e de que ela vai sorrir e se surpreender com a minha visita, que vai me achar magro e dizer que não sou bem tratado na casa da minha outra mãe...

Violeta foi minha mãe. Simplesmente. Sem adjetivos, sem complementos. Dizer que foi minha mãe de criação é o mesmo que dizer que ela não foi mãe...

Lembro-me de ser pequeno e não conseguir abraçá-la por ela ser gorda e arredondada, lembro-me dela sentada com paciência arrancando meus piolhos e lêndeas com o pente fino, lembro de seus cabelos branquinhos e de seus óculos com lentes bifocais, de suas galochas que ela usava pra ir na igreja ou quando ia visitar a “mãezinha”, das histórias que ela contava no alpendre sobre sua vida sofrida de mulher casada e como o meu pai (Fenelon) não a tratava muito bem e das viagens dele ao Quixadá e lembro-me dela, muito tempo depois, ao lado dele – rindo e feliz como se estivessem em plena lua-de-mel! Lembro-me de achar engraçado que só eu a chamasse de mãe, enquanto o Marquinhos, a Marcinha e a Andréia (que tinham a minha mesma idade) a chamavam de vovó.

Lembro de estar deitado na rede enquanto ela me balançava pra eu dormir...Mas na verdade eu gostava quando ela cantava alto músicas antigas pra me ninar. Penso que talvez aí tenha surgido o meu gosto por música...Além do fato de nunca ter me acostumado a dormir de cama...

Lembro que eu me sentava curioso debaixo da máquina de costura pra ver seus pés pedalando, pés já engilhados, mas ainda firmes. Ficava observando maravilhado ela fazer aqueles bordados richilieu pra vender e ganhar algum dinheiro, fazer flores em vários tons de cores e outros desenhos que ela guardava em uma pilha de papel transparente. O sítio sempre me lembrava uma casa de costura, com carretéis de linha de todas as cores e bastidores de todos os tamanhos pendurados nos armadores de rede. E mesmo bordando, ela ainda ficava atenta ao que eu estava fazendo e mandava dona Elisa cuidar pra eu não fizesse “um” arte.

Lembro-me de ficar em cima da mesa enquanto ela fazia bolo, bolinhos e salgadinhos pra vender, das forminhas metálicas em forma de peixinhos, flores, elefantes, triângulos, quadrados...E dos restos de chocolate nas vasilhas que ela me dava pra lamber...Do arroz com aletria, da torta de abacaxi...Tantas lembranças de comidas e cheiros e sabores!

Lembro que já adulto, ela me mostrava um calçãozinho vermelho que eu costumava usar quando era bem novinho e uns brinquedos da minha infância, me dizendo, brincando, que eu era na verdade seu filho e que minha outra mãe era a que era “falsa”...

Todas as minhas lembranças de infância, as minhas lembranças mais distantes eu as tenho do sítio, na Granja Itamaracá, ao lado dela. Lá era o meu sítio do pica-pau amarelo, meu paraíso à beira da barraginha que não existe mais. Meu refúgio, minha noite estrelada na varanda, esperando a brisa do Aracati pra esfriar meu corpo...E ainda é.

Como posso agradecê-la? Como teria podido agradecê-la? Não sei. Agradeço visitando os irmãos que ganhei com ela, Getúlio, Violetinha e Gláucia. Agradeço vindo aqui em Quixeramobim, pensando nela de vez em quando e lembrando, às vezes até sonhando com ela como se ela viesse me visitar pra ver como eu estava. Quando estou em Quixeramobim é ela que eu vejo em todos os lugares, como se caminhasse perto de mim com seu chapéu-de-sol, vestidos bordados, sapatilha baixa com continhas coloridas, com cheiro de talco e phebo patchouli...

Um comentário:

  1. Achei linda a sua crônica para Violeta . Na verdade fiquei com muito orgulho de você ser o filho que dividi com ela em todas as instâncias da vida. Duas mães simples assim como você mesmo diz!!!!!

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